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Preto

O preto sente na pele o racismo estrutural que existe no Brasil


- Foto: Divulgação

Eu demorei muito tempo para me reconhecer como pessoa preta. Foi preciso ouvir de um amigo branco, na faculdade, que eu era preto. Só então, comecei a tomar consciência de quem eu era. 

Lembro que o maior choque que eu tive, e que me fez pensar muito em como eu cresci, foi ouvir uma frase de uma criança. Essa frase me marcou e a partir dela a minha luta antirracista e a busca pela igualdade racial teve início.

Eu namorava uma preta retinta. Fomos passar o feriado de carnaval na casa de parentes dela em Colatina. Cidade quente?, ?ou mais?, ?como Cachoeiro, minha terrinha do coração. Na casa da família dela, fomos brincar com um primo dela. Esse menino tinha por volta de 4 ou 5 anos. A brincadeira era polícia e ladrão. Esse menino toda hora queria ser policial e em todas as suas rondas, ele só prendia a minha namorada. 

Perguntei a ele porque ele não me prendia e ele me disse "é porque você é branco". Eu senti na pele que ele poderia crescer como eu: sem consciência. Eu vi a dor que minha namorada sentiu ao ouvir aquilo. Fomos conversar com ele e explicamos algumas coisas que no auge de seus 5 anos ele não entendeu muito bem.

Esse menino, assim como muitos e muitos outros meninos e meninas brasileiras, assim como eu, é filho da miscigenação que (des)coloriu o Brasil. Esse menino é filho de mãe preta e filho de pai branco. Esse menino vive no meio de uma confusão. Assim como eu vivi: mãe branca e pai preto. Ambos também filhos da miscigenação brasileira.

Esse menino estava crescendo em um lar em que havia "dois lados". Esse menino ouvia coisas horríveis sobre sua mãe, mas que não eram faladas na maldade. Aquilo tudo era normal. Normal não, comum. Esse menino vivia todos os dias o racismo velado que todos nós vivemos todos os dias. Esse menino, mesmo sem saber, praticava a mesma coisa que ouvia em casa.

Cresci cercado de pessoas pretas e pessoas brancas. Cresci vendo minha irmã alisando os cabelos. Cresci ouvindo que o branco era bonito, que o preto era esquisito. Eu fui enganado. Nada disso é verdade!

Eu sou fruto da miscigenação. Avó preta. Avó branca. Avô branco. Avô preto. Mãe branca. Pai preto. Eu pardo! Eu moreno! Eu café-com-leite! Eu desbotado! Eu? Sem cor? Não! Eu sou preto!

Preto.

 

Marcus Vinicius Soares da Costa


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