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Por vergonha, falta de tempo ou resistência, a gente vai deixando o choro para lá...


- Foto Reprodução Web

Eu não sei em que momento, entre o nascimento e a vida adulta, a gente passa a não chorar. Por vergonha, falta de tempo ou resistência, a gente vai deixando o choro para lá, para quando estiver escuro e ninguém ver. Ou para quando um motivo mais justo acontece. E passa a ser tão usual encerrar o choro contido, que nunca pensamos que, em algum lugar do corpo, pode acontecer o ajuntamento das lágrimas não derramadas. O normal passa a ser que toda comoção causada por cada despedida dos filhos que voam para outros rumos, pela palavra mal colocada na conversa com os amigos, por alguma música, poesia, paisagem ou notícia, por alguém que partiu, pela indignação que não pode ser colocada, pela derrota, pela decepção com fatos e pessoas, seja represada por tempo indefinido. 

Mas uma hora a conta chega. E, quando o tempo define, o choro vem. Mas aí já não depende mais do motivo ser assim tão grandioso. Lembra que acumulou? Pois é. Então ele vem onde a gente não espera. Quando o sinal de trânsito fecha, quando estamos escolhendo que roupa usar, comprando uma caixa de algodão na farmácia ou lavando a louça. Em algum momento aleatório, a gente chora. E chora tudo, com o corpo todo. 

Aí é uma catarse. O corpo implora e não há mais caminho a não ser a entrega. Sai aquele choro tremido e soluçado. A criança que fomos olha e permite, e fazemos como era quando nos sentíamos sozinhos na primeira vez na escola, quando o brinquedo preferido quebrava ou quando éramos excluídos dos grupos. Como quando éramos um bebê com fome ou cólica. Choro cachoeira vertendo e abrindo espaço para dores novas, expulsando as que não cabem mais. 

E depois, o cansaço. O cansaço manso, aliviado e regenerador. De quem enfrentou mais uma tempestade.

 


Paula Garruth Colunista

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