Inércia - Jornal Fato
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Inércia

Fico impressionado com a passividade do povo brasileiro. Um ser inercial...


- Foto: Reuters

Na física, resistência que a matéria oferece à aceleração. Para nós brasileiros: apatia; indolência. Fico impressionado com a passividade do povo brasileiro. Um ser inercial. Impressionado com a minha própria apatia, na verdade, indiferença. Mesmo consciente da necessidade de agir, nada faço. Prefiro a segurança da minha casa ou caminhadas solitárias, perdido em devaneios. Fico no entorno do Itapemirim, alegre com as chuvas recentes, com o aumento do volume da água e som do nosso rio. Alegre com o retorno dos pássaros. Mesmo sabendo que isto tudo me parece passageiro, logo o rio voltará a me preocupar com a perda de sua força ou com enchentes. Ainda assim, o rio, me afasta das agruras econômicas, políticas e sociais do Brasil afora. Fico isolado, deixo as ações para alguns brasileiros, como se não fosse responsável pelo destino do país. Somos assim. Um jeito diferente de ser. Dizem: o jeitinho e passividade brasileira ensinará o mundo. Uma nova forma de viver. Será? Penso em uma doença: apatia crônica - descrito em livros. Mas nem sempre foi assim. Existem bons exemplos em nossa história. Homens e mulheres que fizeram diferença: Nize da Silveira, Ana Nery, Oswaldo Cruz, Anália Franco, Emilio Ribas, Adolfo Lutz, Bernardo Horta...

Há mais de cem anos, Pereira Passos refez a cidade do Rio de Janeiro, era a capital do Brasil, começava um novo século, o século da nossa República. Criou novas avenidas, derrubou cortiços, construiu áreas no entorno do Porto, modernizou a cidade. Unia nova arquitetura nos moldes parisienses. Iniciou a cidade maravilhosa, juntou belas artes à natureza. Na ocasião, convidou Oswaldo Cruz, um jovem médico sanitarista, conhecedor das doenças infecciosas, estudava os microorganismos nas lentes do seu microscópico. Oswaldo Cruz vinha de experiência no Porto de Santos. No litoral paulista, com Adolfo Lutz e Vital Brasil, combateu a Peste Bubônica - doença transmitida pela pulga do rato.

Pereira Passos, político e modernizador, sabia que precisava intervir, além da arquitetura, na higiene pública. Atuar na limpeza e no saneamento básico. O Rio de Janeiro era infestado pelo mosquito atual - Aedes aegypti, na ocasião transmitia a febre amarela. As pessoas morriam, além da febre amarela, pela varíola e a peste. O mundo inteiro, devido nossas condições higiênicas, se afastava de nossas cidades, em especial do Rio de Janeiro. Os europeus e americanos trafegavam pelo Atlântico rumo a Buenos Aires. A determinação de Oswaldo Cruz livrou o Rio de Janeiro da varíola e febre amarela. Durante suas ações sofreu todo tipo de constrangimento e uma das maiores revoltas da nossa história: Revolta da Vacina. Suas ações foram reconhecidas internacionalmente anos depois.

Além da apatia, possuímos perda de memória. Vivemos de emoções e ilusões. Esquecemos o que Oswaldo Cruz realizou há mais de cem anos. Durante longo tempo, o mosquito Aedes aegypti desapareceu de nossas cidades. Pela falta de higiene pública, obras e cuidados de saneamento básico não realizado pelos governantes, pela nossa falta de comprometimento com a limpeza pública, vivemos momentos de temor. Aliado a isso, a corrupção endêmica e incompetência de governos na condução dos rumos do Brasil, nos leva a apatia e tristeza imensa. Apresenta-se o ano novo que nos força a reagir.


Sergio Damião Médico e cronista

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