Conversando com Marília... - Jornal Fato
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Conversando com Marília...

Marília contava dos seus passeios nos tempos dos bondes na Capital Federal (Rio de Janeiro), suas andanças escolares pelo norte capixaba, viagem pela ferrovia Cachoeiro-Rio


- Foto: Arquivo/FATO

Marília Mignoni escrevia crônicas, textos curtos, suficientes e precisos para um êxtase, mesmo que efêmero e fugidio. Marília, na Revista Sete Dias, em uma de suas crônicas, escreveu sobre minha saudade do trem e bonde. O bonde onde nunca andei pelas ruas de Vitória, nossa capital, fiquei com os trilhos, dormentes e o trem que levava meu pai em suas viagens para o comércio de Colatina. Marília contava dos seus passeios nos tempos dos bondes na Capital Federal (Rio de Janeiro), suas andanças escolares pelo norte capixaba, viagem pela ferrovia Cachoeiro-Rio, com o pai, em busca dos parentes. Algo aparentemente sem importância, são nossas lembranças, somos nós mesmos na apresentação: nus e livres de máscaras.  Marília... Dia desses, na ocasião confidenciei, Luiz Fernando Veríssimo escreveu sobre o ano "1962". Lembrou a nossa segunda Copa do Mundo, falou da tristeza da contusão de Pelé e a grandeza do Garrincha. Aproveitou e contou sobre o momento mágico que vivia o país com a Bossa Nova, Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Nelson Rodrigues... Uma crônica sobre a beleza das coisas que empolgavam o país. Ela complementou, a crônica é isso. Um gênero literário leve, como um canto de Sabiá. Por ser fugidia, torna-se uma prosa poética, de uma leveza cirúrgica, sem a precisão da poesia. Gênero literário bem brasileiro, iniciada na metade do século XIX com José de Alencar, Manuel de Macedo e amadurece com Machado de Assis, na Gazeta de Notícias. Paulo Barreto (conhecido como João do Rio) revela a cidade maravilhosa que se inicia com o prefeito Pereira Passos, ao nascer do século XX, revela a busca do modelo parisiense (Belle Époque), registra os flagrantes e as modificações da urbe carioca. Ele possuía o flanar, o vírus da observação ligado ao da vadiagem. Revela a Alma encantadora das ruas, em seus livros. Rubem Braga, a maioridade da crônica, a perfeição, parece concordar com João do Rio quando escreve em A viajante: Com franqueza, não me animo a dizer que você não vá. Eu, que sempre andei no rumo de minhas venetas... Em minhas andanças, eu quase nunca soube se estava fugindo de alguma coisa ou caçando outras... Paulo Mendes Campos, contemporâneo do Rubem, em uma das suas noites de boêmia, afirma: O amor acaba. E diz mais: E acaba o amor no desenlace das mãos no cinema como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão. Marilia era assim, uma apaixonada pela crônica.

Eu e Marilia, nos encontramos, anos atrás, na Bienal Rubem Braga, na Praça de Fátima, em Cachoeiro. Era o mês de maio, em fim de tarde, na Sala da Academia Cachoeirense de Letras (ACL). A crônica e Marilia foram as grandes estrelas. Ela, pelas coisas simples e verdadeiras, transcendeu e nos deixou a poucos dias atrás. Será lembrada de maneiras diferentes. Na beleza das coisas vividas, em minhas lembranças o bonde não existiu; nas lembranças de Marília... Na Bienal, ela finalizou: o amor acaba pelo prazer de recomeçar, quem sabe em uma viagem de trem ou sob o Luar de Cachoeiro. Bem, até logo...


Sergio Damião Médico e cronista

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