Berimbau chama - Jornal Fato
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Berimbau chama

Carta-crônica escrita, originalmente, em 8 de outubro de 2020


- Foto Reprodução Web

Salve, Mestre Ramos. Tudo bem? Talvez o senhor não se lembre de mim, mas eu sou aquele moleque de olhar afoito que chegou à loja Lapa Rio Capoeira, numa sexta-feira cinzenta de 2008, fim de tarde, perto do ponto das seis horas. Cheguei até lá, não sei se ainda te recordas, chamado pelo berimbau que o senhor tocava, em alto e bom som, naquele estabelecimento-fundamento. Era um gunga, eu acho.

E logo te contei que escutei a biriba bem de longe, a cerca de um quilômetro da loja, perdido em buzinas, motores e outros grunhidos emanados do caos e da confusão que é o centro do Rio ao anoitecer. Tanto que, de cara, te falei que eu achava que eu havia ficado maluco. Ora! Ouvir um berimbau em meio a tanta barulheira? Mas não. Eu não estava louco. Não de todo louco. Que há quem diga - uns com admiração; outros, nem tanto - que sou doido, mesmo.

É, o berimbau me chamou. E, então, o senhor e eu, mais o Bruno, dono do estabelecimento - e a mãe dele, também; ou foi o pai dele? -, tivemos uns bons minutos de prosa, verso e cantoria de capoeira. Quando te disse que, além de ser angoleiro, eu também era estudante de jornalismo, o senhor deu ótimos e motivadores conselhos de vida, todos carregados de axé, a este camaradinho que só agora decidiu te enviar estas linhas riscadas com pemba de fé.

Que o senhor e todos os teus estejam bem, na paz de Zâmbi. Espero que consigas se recordar de mim. E desejo, do fundo do meu coração, que, numa dessas voltas ao mundo, camará, o berimbau nos chame mais uma vez. Ficarei muito feliz em prosear novamente com o senhor, mestre. Na roda, na gira, na vida. Salve.

 

****

 

Chove, e chove agradavelmente. Tanto que, a caminho do trabalho, versejei:

Na manhã de quarta-feira,

chuva fina bem me molha,

pois, assim dessa maneira,

Vó Izabel por mim olha,

camará...

Chove, mas não a ponto de diluir os três desejos que escrevi numa estrela de papel, em feitio de cronicoração, treze anos atrás. Pelo contrário. Confesso, com gratidão, que minha estrela de papel vem cumprindo seu papel de estrela: dois desejos já foram realizados, e o terceiro está prestes a acontecer. Pois, como reza o samba, "a chuva só vem quando tem que molhar".

 


Felipe Bezerra Jornalista

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