Conexão Mansur: Lições da juventude - Jornal Fato
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Conexão Mansur: Lições da juventude

Matar aula: a nossa primeira greve


- Ilustração: Zé Ricardo

- Vamos matar aula amanhã? A classe toda. Aí os professores não podem dar matéria nova. À pergunta, a resposta unânime e positiva veio de imediato e ficou combinado que alguém chegaria mais cedo no dia seguinte, às 6,30, e ficaria postado no Bar Caçula, controlando a "operação". Tínhamo-nos de concentrar no bar, caminho obrigatório.

Por mais que tente lembrar, não consigo recordar de quem foi a ideia e o porquê dela. Talvez motivo nenhum, a não ser cutucar a onça com vara curta.

Matamos. No outro dia lá estamos em frente ao Bar Caçula, menos três que resolveram furar a greve, nossa primeira greve. Já de noitinha começávamos a ter notícia do que viria no dia seguinte. Ventos sombrios sopravam. O Diretor - o mais severo, como há muito não tinha o colégio - soubemos que estava uma fera. Melhor, ou seja, pior, fera ele já era no normal, estava é possesso.

- "Como, uma turma inteira cabular aula, sem qualquer motivo? Se é que (pensaria ele) possa haver motivo para matar aula".

Na quarta-feira, o seguinte ao fatídico dia, já estava ele, a postos, na sala. Os olhos fuzilavam (os deles, pois os nossos catavam não sei o que no chão) - É hoje o adeus turma. A nossa fronte era um só pingar de suor. A dele, mais que a nossa, sanguinolenta, as veias ameaçando saltar, vermelhas, vermelhas que estavam.

O interrogatório - Quem começou? Quem é o líder deste absurdo? A vontade que tenho é esganá-lo. A promessa - Falem, falem, pois, só quero saber quem iniciou, e dar-lhe severa punição. Com os demais alunos nada acontecerá.

A ameaça - Caso contrário, se não sair o nome do líder, todos vocês serão expulsos, não tenham dúvida. O medo, nosso medo - Deus, o que será de nós? Adeus científico. Adeus estudo. E lá em casa, o que dizer? E ouvir? Expulso? Por matar aula?

A resistência - Não é justo entregar. Se alguém começou, só começou, nós é que prosseguimos, não fomos obrigados. A decisão silenciosa - Ninguém falou. Por solidariedade, eu acho.

Paciência - é o que o Diretor mais tinha. Soltando fogo e paciente - Temos o dia inteiro para descobrir. Até descobrir que não descobriria nada. A turma calada. - Como? Por que matar aula? Absurdo! E os pais! O resultado - suspensão de 3 dias, até para os que não mataram, pois calaram.

O elogio do Diretor - Apesar de tudo o que fizeram, vocês não fizeram o pior: delatar. Parabéns. Nada pior que a delação. (Parece que naquele dia, o diretor, que não sorria nunca, pois era educador de respeito, sorriu. Ele, que (achávamos) não tinha sentimento, estava com a face iluminada).

Da perspectiva de tantos anos, o que ficou de melhor do severo Professor Carlos Passos, o Diretor, foi essa lição preciosa, que guardo desde os tempos do Colégio João Bley, em Castelo. Sem contar a certeza de que ele também não queria que os professores dessem matéria nova, quando suspendeu, também, os três fura-greve. Um aliado. (Crônica do meu único livro publicado - Retrato de um Ignorante - dezembro de 1997).

 

RETRATO DE UM IGNORANTE

Como é vasta minha ignorância. E está em franco processo de crescimento. Quanto mais leio, quanto mais vivo, quanto mais sinto, mais e mais me aumenta esse cabedal de ignorância da realidade, da essência das coisas, de mim.

Então, não sei por que fico por aqui, dando minhas opiniões, normalmente não pedidas, muitas vezes solitárias e repudiadas, quando não agredidas ou, simplesmente, não levadas em consideração.

Muitas vezes já me propus que talvez devesse seguir a intuição fecunda e feminina de Clarice Lispector. Que disse: "se eu pudesse, deixava meu lugar nesta página em branco: cheio do maior silêncio. E que cada um que olhasse o espaço em branco, o encheria com os seus próprios desejos." Tudo, certamente, com muito mais propriedade do que eu possa dizer e, miseravelmente, tenha dito até aqui.

E se seguisse a intuição da mulher Clarice, talvez pudesse esconder, um pouco, essa minha ignorância das coisas do mundo, das minhas próprias coisas, e de tudo o mais que tento, ao máximo e com persistência, repartir em par, e não consigo. É uma solidão de todos, e é, muito mais, uma solidão de mim mesmo, do qual não consigo, sequer, me aproximar.

Quando vejo outros fazerem isso com tanta presteza e acerto, fico a pensar que não tem solidão aquele que é ou se ache um sabedor. E se tiver solidão, o que continuo a duvidar, garanto que não é nada, que não chega nem aos pés, se comparada ao triste arrastar da minha, deste ignorante primário que gosta de dar palpite na sociedade.

Olho para "os campeões em tudo", os "que nunca levaram porrada", e fico pensando como é sólido e o quão é bom saber de tudo, tudo resolver e nada perder.

Já eu, preso entre as quatro paredes de ignorância exemplar, nada me resta do que refletir o brilho dos outros. E até, abusada e imprudentemente, esquecer-me, com frequência comparável à ignorância, do conselho lá de cima, dado por Clarice. Pois, como obedecer à cronista e calar, deixando a página em branco, se posso, e muito bem, recomendar a leitura atenta de sua obra.

Não, não dá para calar ou abafar a caneta. Nem minha bruta ignorância é suficiente para tanto. Fechem esta página e leiam Clarice Lispector, entrando com emoção nos sentimentos, tão dela, tão seus, tão meus.

E sendo assim, com lágrimas descendo-me da face, me sinto menos ignorante, ao refletir e divulgar essa mulher invulgar. Como, também, ao trazer personagens e fatos que recolhi. Como os que estão aqui, nessas crônicas que ajudam a curar a dor de um pobre ignorante do interior, como eu. (Crônica do meu único livro publicado - Retrato de um Ignorante - dezembro de 1997).

 

VIVENDO E APRENDENDO

 

 

Nem tudo o que é certo fica certo a vida inteira. Nem tudo o que é errado permanece errado a vida inteira.

Essas duas frases postas aí em cima, vieram-me à mente há algum tempo, quando me acostumei, ao passar pela Ponte Fernando de Abreu, olhar o Rio Itapemirim com olhos voltados - no caso - a jusante dele e para o Pico do Itabira.

Só que esse olhar - que bom - me perturbava para o bem, na possibilidade de corrigir pensamento que eu tivera a mais de 30 anos passados, como cidadão preocupado com o meio-ambiente.

É que numa das intervenções no leito do Rio Itapemirim (mais de 30 anos passados?), o Prefeito Ferraço, entendera de jogar uma boa quantidade de pedras comuns ao lado da Ponte Fernando de Abreu, a jusante do rio, como disse.

Durante décadas condenei a atividade, só que, há algum tempo (de 10 anos para cá?) pude verificar que a colocação daquelas pedras em parte do rio, contribuíra para que - efetivamente - ao lado da ponte, o nível do rio subisse um pouco, sem maiores prejuízos e com benefícios efetivos, visto que, ao subir o nível do rio, com a construção de um "Cachoeiro" (ou pequena cachoeira), não só elevou-se o nível do Rio Itapemirim, acabando com a grande quantidade de lama e sujeira ali, como tornou aquele local mais bonito de se ver - e os beirais da ponte são locais corretos para se ver a beleza do Rio).

Só que eu permanecia preocupado, e nem sei o porquê, até que - conversando com amigo agrônomo, amigo do bom meio-ambiente - ele me disse: - "Foi a melhor coisa que se fez, ali, em favor do rio. Além de tudo já dito, ainda acabou-se com o tremendo mal cheiro que subia do rio enlameado, naquele local.

Vivendo e aprendendo.

 


Higner Mansur Advogado, guardião da cultura cachoeirense e, atamente, vereador

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