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A chuva cai redundantemente serena


- Foto Reprodução Web

Quatro e sete. Ainda é "uma noite sem lua", mestre. A chuva cai redundantemente serena (redundância esta digna não de reprovação, mas de louvação, conforme reza a gramática do intangível). Eis a sabedoria da vagareza, que vem do tempo em que este não duvidava do Tempo. Tenha pressa não, moço. Já, já, a escuridão, última esquina do descaminho, desemboca no romper da aurora, que alumiará - também - o firmamento desta prosa. Sem haver sol, entretanto. Que dia bom, às vezes, é (e vale) prata. Basta seguir miudinho, no compasso da chuva, como se fora tal.

 

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Desta feita, sá menina, não é o fumante de filtro vermelho, e, sim, o pitador de cachimbo, cuja fumaça, segundo contam e cantam, descobre segredos para, a bem da verdade, guardá-los. A sete claves. Segredos convertidos em mistérios, na sublimação do lamento que, entoado do cativeiro, retumbou-se em alforria. Desde então, ele tem cumprido sua sina: pitar seu cachimbo com a parcimônia das chuvas finas, transmitindo saberes tênues, embora densos. De grão em grão, o galo cantô enche o papo, assim como, de gota a gota, o pitador nos preenche de esperança.

 

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Ao som do berimbau a evocar, nesta manhã, Zé Pelintra e Camafeu de Oxóssi, a caminho da labuta, em companhia de saguis e passarinhos, sinto-me inspirado a dizer que as sabedorias de terreiro são preciosidades da fé miúda - e graúda - de um povo que se reconhece forte na humildade, no suor, na poeira, no tesão, na lágrima, na quimera, no gole, na pernada, no afago, no silêncio, na gargalhada. Pois, entre outras não-razões, admitimos nossos ancestrais como guardiões de destinos e, portanto, faróis de nossas travessias.

 

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Oh, a gente não é Deus!

É por isso que nós reza.

Se um dia eu fosse Deus,

desinventava toda treva.

Mas também não adianta:

escuridão é o coração.

Cabra ruim não desencanta;

só se perde em danação.

Alumiar o pensamento

é dever, e não favor.

O amor é o sentimento

que te leva ao Criador.

Não sou pai de todo filho;

tenho três e nada mais.

Oh, vagão que anda no trilho

amanhã chega no cais.

Lavrador que planta brilho

jamais colhe Satanás.

Pé de manga não dá milho,

nem sou eu que vou te dar,

camará.


Felipe Bezerra Jornalista

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