Da Rua Piauí à Estrada Rio do Pau, levando piau - Jornal Fato
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Da Rua Piauí à Estrada Rio do Pau, levando piau

Nesta crônica recordo lembranças da minha infância e adolescência


- Foto Reprodução Web

Sabe a Rua Piauí? Ali em Todos os Santos, espremidinho naquela meiúca dos bairros Cachambi e Engenho de Dentro? Pois é. Numa verdade-quimera ainda hoje sustentada por mim, a Rua Piauí - da qual sou cria - é a Atlântida que se perdeu, e se achou!, na poesia das minhas molecagens suburbanas. Já a Rua Toropasso, que tinha pastel de feira aos domingos, primas com pés bonitos e outras delícias que agora não me ocorrem, foi um não-lugar que ganhei de presente, aos sete anos de idade, de meu finado padrasto Décio, imperiano de fé e - desconfiava - filho de Xangô. Ah, sim: foi numa encruzilhada da Toropasso com a Major Medeiros que meus olhos de moleque se deslumbraram, pela primeira vez, com um despacho bem formoso (o grifo é do povo da rua), feito de farofa, charuto e Sidra Cereser.

Aí, no início de minha adolescência, em meados da década de 90 (numa época em que UPP seria, no máximo, nome de marca de leite), acabei indo pra Praça da Bíblia, uma ironia cravada - de bala de fuzil? - nos apês do Gabinal Margarida, na Cidade de Deus. Nem te conto, parceiro... Foi sob o céu da CDD, bordado de pipas e - que lindo! - de munições de AR-15, que me liguei na letra do MC Mulato e comecei a aprender a viver. Depois, peguei o 701, até Madureira, bem antes de Arlindo Cruz nos cantar que o caminho era de Ogum e Iansã. De lá, embarquei no 779 e saltei no ponto final do trajeto desta crônica, no bairro da Pavuna: Estrada Rio do Pau. Ou Avenida Chrisóstomo Pimentel de Oliveira, como as empresas de cobrança grafam nos boletos que entopem de preocupação a lateral da geladeira da gente.

(Não posso negar que, neste momento, estou profundamente constrangido e, por isso mesmo, preciso pedir perdão a vocês pela cretinice que vou escancarar neste parêntese. Mas, di boua, que logradourozinho broxante! Concordam? Pensem comigo: alguém acreditaria que uma moça minimamente distinta, em sã consciência, que preza pela coerência e pela sensatez em suas atitudes, pudesse topar, logo no primeiro papo, seja no baile ou no zap-zap, sair com um zé-ruela qualquer da Avenida Chrisóstomo Pimentel de Oliveira? Tá de sacanagem, né... Garanto que esse vexame jamais aconteceria com quem fosse da Estrada Rio do Pau. Este, sim, é um endereço que passa mais vigor para as garotas. Claro! Aliás, ao contrário do que gozaria algum trocadalho do carilho, um sujeito da Rio do Pau nunca leva toco pra casa).

Confesso que a Pavuna foi um tremendo "pedaaaala!" de realidade na minha nuca. Aquele pescotapa que me fez acordar dos delírios infantilóides - acalentados pelo sonho de me tornar um herói japonês, desses da extinta Rede Manchete - para, enfim, encarar a aburrescência. Tipo um peteleco "se liga, mané!", bem-dado no pé da orelha, como o que recebi do erê de minha mãe, durante uma meia-tarde de cochilo que tirei no apartamento de minha tia Áurea, no condomínio do Bradesco, ao lado do conjunto da Marinha, na Rio do Pau. O danado, no invisível, foi no meu ouvido e... taaaac! Maluuuuco, doeu pra caceta! Aí, à noite, o erezinho aproveitou que mamãe havia chegado do trabalho para incorporar nela e mandar a deixa... "Foi pra você aprender!", advertiu-me, sucinto, gargalhando da minha cara-de-bunda.

Mais uma confidência pavunense: devia eu estar com meus 15, 16 anos, quando ralei peito da Chrisóstomo Pimentel de Oliveira e me tornei um digno morador da Rio do Pau; consegui ganhar, na lábia, minha primeira menina! Andreza, mulata, coxas grossas, sorriso de Realengo. Ela estava, à ocasião, visitando sua prima, que tinha um apê no mesmo bloco do Daniel, filho da tia Margarida. "Ah, moleeeeeeee!" Tsc, que nada... Na sequência, fui eleito pela galera do condomínio como o bucha da rodada. Coisa de poucos minutos após minha conquista, Andreza ficou com outro rapaz e, como se não bastasse, botou pra jogo a Lei de Murphy, revelando ao camarada (?) que eu havia indagado se a "beijei bem". É... Os fatos responderam à pergunta e, de quebra, comprovaram o seguinte: uma vez da Chrisóstomo, sempre da Chrisóstomo.

 

*Crônica originalmente publicada no livro "O meu lugar" (Mórula, 2015), organizado por Luiz Antonio Simas e Marcelo Moutinho.

 


Felipe Bezerra Jornalista

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