Enroladinho do Deoclécio, patrimônio da cidade - Jornal Fato
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Enroladinho do Deoclécio, patrimônio da cidade

Chamamos de enroladinho o salgado que ele prepara, de massa levemente crocante e dourada, recheada de presunto e queijo artesanal, sempre quentinho


- Foto Reprodução Web

Eu não sei quando Deoclécio começou a vender os enroladinhos no centro da cidade, mas minha lembrança mais antiga vem mais ou menos de 1990, quando aluna do Guimarães Rosa. Chamamos carinhosamente de enroladinho o famoso salgado que ele prepara, de massa levemente crocante e dourada por fora, macia por dentro, recheada de presunto e queijo artesanal, sempre quentinho. Falando assim, parece simples, mas não é. Faz tempo que enroscar uma massa com presunto e queijo não tem nada de original, mas estamos falando de uma experiência gastronômica única, afetiva e cheia de sabores.

Não foram poucas vezes que provei em outros lugares quitutes feitos de forma idêntica ou tentei eu mesma reproduzir. E estou falando de ter ultrapassado as fronteiras não só da cidade, mas do estado, em busca de algo que chegasse ao menos perto. Então posso afirmar, com provas e com convicção, de que não há nada parecido para onde quer que a gente vá.

A experiência completa consiste em atravessar o corredor da galeria, com barulho da rua e do rio se misturando, seguir até o final, puxar o banquinho de plástico e sentar-se no balcão. Uma das atendentes te cumprimenta (sempre cordiais, todas elas) e você pede o enroladinho, que ainda combina com qualquer uma das opções de bebidas sempre geladinhas, inclusive com o caldo de cana que tem a manha de ser o melhor da cidade. A guloseima é retirada da estufa e você recebe quente, sempre recém saído do forno. Na primeira mordida você já esquece metade de qualquer preocupação que esteja te afligindo aquele dia. Na segunda mordida, esquece a outra metade. Os sabores vão se misturando e em seguida seu corpo é inundado de serotonina. Dá vontade de comer outro, e deve ter quem consiga. Mas a iguaria é bem servida e, geralmente, satisfaz. Depois você passa no caixa e, quem está lá, sempre é o Deoclécio. Nunca está ausente, não tira férias, não muda a aparência e nem é dado a bons humores intensos. Ele é o que é e a gente gosta de ter um dedo de prosa antes de sair. Ele sempre tem alguma coisa para contar sobre um fornecedor, um cliente ou o Botafogo. O onipresente empresário detentor da receita irreplicável do melhor enroladinho do mundo não deixa você ir sem falar qualquer coisa, ainda que seja sobre o tempo.

Inclusive, falando de tempo, já foi vítima das intempéries do Rio Itapemirim. Mas, ao contrário de muita gente que já passou por ali, permanece firme. Estar ali, naquele lugar, talvez seja mesmo a alma do negócio.

Não sei quantas homenagens ele já recebeu, se é que já recebeu. Não sei o quanto as pessoas da cidade levam a sério a importância dele para a nossa história, mas ele tem. Não sei quantas outras gerações terão a oportunidade de viver isso, mas seria bom se todas conhecessem sobre disso. Imortalizar o enroladinho como patrimônio de Cachoeiro seria o certo e o justo. Com toda a festa e solenidade que o momento merece.


Paula Garruth Colunista

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