Ética - Jornal Fato
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Ética

Fui aos dicionários e aos manuais procurar uma definição para ética. Deonísio da Silva diz que é palavra grega


(Texto de palestra que dei em abril/2001 - 20 anos passados - a alunos de turma da Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim - nada a alterar).

Fui aos dicionários e aos manuais procurar uma definição para ética. Deonísio da Silva diz que é palavra grega, transportada para o latim e é vocábulo relativo à moral. É, ainda, parte fundamental da filosofia. Como a obra dele ("A Vida Íntima das Palavras") varia do sério ao jocoso, diz ele que a ética é muito utilizada por aqueles que não têm ética para acusar os adversários de falta de ética.

José Ferrater Mora ("Dicionário de Filosofia") diz que ética deriva de palavra grega que também tem o significado de costume, podendo ser definido, então, como pessoa ética aquela que segue os costumes de sua época.

E como mudam-se os costumes com o passar dos tempos, pode se chegar à conclusão de que nossa ética pode não ser a ética de nossos pais e avós, como não será nossa ética a mesma de nossos filhos e netos.

Em resumo, ética é uma noção confusa, que mistura moral e costume. Talvez mais confusa do que outras palavras como justiça, liberdade ou igualdade, que fazem parte de todos os discursos (dos santos aos canalhas). E por isso perdem totalmente o significado. Ou algum de nós já ouviu alguém ser contra a ética, a moral ou a justiça e liberdade?

Como entender o verdadeiro sentido dessa palavra - ÉTICA - utilizada ao bel prazer por inimigos e amigos, por bandidos e mocinhos; todos capazes de dar aulas e proferir palestras como se pensassem a mesma coisa? Estarão realmente falando da mesma coisa?

Então que fique pelo menos uma certeza - e parece que é mesmo a única que ficará - Ética não combina com discurso. A prática combina. Se soubermos que a ética está ligada ao costume de então e à moral vigente, ai sim, começamos a compreender o que seja ética. Pelo menos a ética de hoje. Ético é quem reza na cartilha.

Mas e os que acham que a moral e o costume de hoje estão degenerados? Qual será a ética deles, já que a dos nossos tempos certamente não será?

É por isso, por essas discussões e perguntas até certo ponto tolas, baseadas em conceitos tão fugidios e diferentes para cada um que eu não acredito em discurso ético.

Mas acredito na prática de uma ética, moldada no dia a dia de lutas, no confronto de valores, no confronto da sobrevivência. Aí nasce a ética. Quem passar pelo teste real da vida é que poderá dizer ter alcançado a plenitude ética. Mas, mesmo aí, é falta ética dizer-se ético.

Ouvi do contemporâneo cachoeirense Sérgio Bermudes, dos maiores advogados do Brasil em todos os tempos, em conferência que fez no Tribunal de Contas em Vitória, afirmativa de que em seu escritório de advocacia não tinha essa de dar presentinhos para conseguir benesses com os membros do Poder Judiciário, de juiz a meirinho. Luta-se pelo direito com o próprio direito, não através de caminhos tortuosos, das vielas escuras, dos escaninhos mal vistos. Isso é Ética.

No meu modesto escritório também é assim. Mas se, a partir daqui eu começar a falar muito do meu escritório, da minha ética, com muito discurso, já posso dizer que estou começando a não ser ético.

Ai está outra chave do comportamento ético. Não adianta que eu proclame - ou que vocês proclamem - que sou ético, que vocês são éticos. Não adianta espalhar aos quatro ventos e às quatro estações do ano que eu - nós - somos éticos, por isso ou por aquilo. Tenho a mais plena convicção de que quem faz essas proclamações está mais longe da ética do que o diabo da cruz.

Não. Só sou ético na medida em que as pessoas me enxerguem como éticos, na medida em que os que me veem bem, enxerguem, em minhas atitudes, ações éticas.

Pessoalmente, pela descrença que estou traçando, tenho muita dificuldade em sustentar um discurso sobre ética, como fui convidado a fazer. É que, com raras exceções, não há como sustentar discursos éticos.

Mas diria ainda como discurso, que despojar-se de preconceitos é um bom caminho para ser ético; evitar julgamentos próprios sobre nós mesmos, melhor ainda; e julgar os outros nas circunstâncias delas, e não nas nossas, diria que já estamos próximos da perfeição.

Maquiavel diz nos "Discorsi" (Comentários sobre as quatro décadas de Tito Lívio) que os homens "se não lutam por necessidade, lutam por ambição".

Pergunto a vocês: A ética do que luta pela necessidade é a mesma dos que lutam pela ambição? Podemos cobrar a mesma ética dos necessitados e dos ambiciosos? Uma invasão do MST é a mesma coisa que uma grilagem de terras, uma tomada do patrimônio público como é o caso das privatizações que tem ocorrido no Brasil? Se todos são tomadas "impróprias" de propriedades, os olhares éticos devem ser os mesmos para uns e para outros? É coisa para debater.

Não sei se vocês conhecem o pensador espanhol Ortega Y Gasset (1883/1955). Ele é autor de uma das frases mais importantes e definitivas que ouvi. Frase que se resume em seis palavras, a maioria breves, mas é um tratado inteiro de ética ou de qualquer ciência do comportamento. A frase é "EU SOU EU E MINHA CIRCUNSTÂNCIA".

Cada um de nós somos nós e nossas circunstâncias. Dependemos do que corre ao nosso redor, do que fazem conosco. Não há como fugir. Se eu sou eu e minha circunstância e se a circunstância muda, muda tudo, inclusive a minha (a nossa) ética. Fora disso tudo é irreal.

Devo esclarecer que Ortega y Gasset não foi político, não foi empresário, não foi alguém que dependesse de bens materiais e nem esteve buscando por eles. Não. Foi filósofo puro, que viveu da e para a filosofia.

Pois foi Ortega Y Gasset que escreveu um ensaio magnífico, de não mais que 25 páginas, chamado "Mirabeau ou o Político."

Mirabeau foi o grande orador da Revolução Francesa. Organizou a bagunça que é toda Revolução. Tinha vida irregular e morreu logo depois de Revolução Francesa. Foi enterrado no Panteão dos Heróis da França. Era um herói na política e um calhorda na vida privada, soube-se depois. Um dia um político francês descobriu isso. Conto a história utilizando-me do texto de Ortega Y Gasset:

"Eis que mais tarde foram descobertas as provas de sua venalidade. Mirabeau que era tudo o que acabo de dizer, era também um homem imprudente. Sem demora, o pedante que está sempre pronto a agir, na época Joseph Chénier, pediu a palavra na Assembleia e propôs que os restos de Mirabeau fossem retirados do Panteão, "considerando que não há grande homem sem virtude". Grande frase!" (A exclamação é de Ortega Y Gasset).

Numa grande lição de ética, pois Mirabeau era, na vida particular, tudo o que Ortega Y Gasset não era, este sai com a seguinte expressão: - "É inadmissível que o homem medíocre, incapaz de buscar voluntariamente e suportar as grandes angústias, questione o direito do grande homem às grandes honras e ao grande prazer."

Em linguagem corrente - Se o cidadão comum, médio, é incapaz de grandes sacrifícios, ele não tem o direito de cobrar as cafajestadas particulares cometidas pelo grande homem público que deixa família e interesses particulares para cuidar do interesse público. Não há como cobrar uma ética pública do particular e nem uma ética privada do homem público.

Espero ter trazido a vocês a mesma perplexidade com que enfrento esse assunto - Ética - que, para mim, como disse, não se resume a discursos. É resultado da prática nossa de cada dia, que só pode ser observada e julgada pelos nossos próximos - se é que pode. Diria mesmo, melhor observada e melhor julgada se observada e julgada pelos nossos adversários ou inimigos.

 


Higner Mansur Advogado, guardião da cultura cachoeirense e, atamente, vereador

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