Sem festas... com adeus - Jornal Fato
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Sem festas... com adeus

Mais uma festa de Cachoeiro. Só que, desta feita, a Banda 26 de Julho vai ficar em casa. As escolas não vão desfilar. Não haverá cachoeirense ausente. Ausentes seremos todos nós


Rubem Braga

 Rubem e Newton,

      Mais uma festa de Cachoeiro. Só que, desta feita, a Banda 26 de Julho vai ficar em casa.  As escolas não vão desfilar.  Não haverá cachoeirense ausente. Ausentes seremos todos nós. Os smoking ficarão nos armários e os nobres não pisarão no Caçadores desfilando os trajes de gala. O CDM resolveu cancelar os festejos. Sérgio Bermudes ainda está em recuperação no hospital Copa Dor, não virá. Não haverá shows. Por absoluta falta de delicadezas a relatar, estão morrendo também os cronistas de amenidades.  O cara encarregado de ir ali na esquina procurar assunto, puxar angústia sobre o amor que acaba, morreu de Covid 19. Era o arauto, o sabiá laranjeira da insuperável leveza de flanar sobre os aborrecimentos cotidianos.  Vocês não fazem ideia. Até mesmo o rio Itapemirim está em silêncio.  Algumas garças, tristes, alçam voos nas tardes melancólicas.

   O cronista Joaquim Ferreira dos Santos, Rubem, que você pediu para convidar para esta festa, cancelou. Como nós, está exilado em casa.     Relatou que ontem pela manhã ele foi ali mesmo onde ia sempre, abrir a janela para se impregnar da brisa perfumada da suspensão dos problemas, respirar a poesia solta no ar cotidiano. Constrangeu-se com a insensatez da tarefa e o medo de ser identificado como autor de crônica numa hora dessas. O ar tinha ficado irrespirável. Havia gente roubando respiradouros dos hospitais e outros tantos tomavam copos de leite para se manifestarem orgulhosamente racistas.   Foi aí, então, que, sufocado, o cronista resolveu não vir à festa de Cachoeiro. 

   Ora, Rubem, logo eu que nunca falhei com você...  Mas você já imaginou, como disse Joaquim, vocês dois com vontade, mas sem poder, mostrar solidariedade ao sofrimento de todos? Morreriam sufocados por um acúmulo de comorbidades, vítima da certeza desiludida de que as forças do mal haviam se acumpliciado para a asfixia geral. Não haveria ventiladores suficientes para manter o voo dos bem-te-vis arejando a página do jornal e preferiu se armar de todas as exclamações, todos os verbos de raiva e protesto. Deixou de se fazer ameno, nem aí para a inspiração do azul incrível das manhãs de outono em Cachoeiro.

  Ah, Newton, Raquel me ligou dizendo que também não pode vir.  Chega de esclarecimentos, né?  Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas humilhantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas que nos fizeram felizes e digamos apenas a pequena palavra: adeus. A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa modorrenta tarde de domingo. Joaquim manda lembranças.

Newton Braga

Wilson Marcio Depes Advogado Escritor e jornalista

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