Vovôs salvam - Jornal Fato
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Vovôs salvam

Gedião falou com Dezinho que queria ter um neto igual a mim. Doutor, fique tranquilo: também sou teu neto...


- Foto: Arquivo

Era janeiro de 2011. Minha passagem para o Ceará já estava comprada. Eu, então de férias, iria visitar minha família paterna, toda oriunda lá da Pitombeira véia, em Russas, sertão a irrigar minhas artérias. Iria. Porque não pude sair de perto do meu avô materno, Seu Dezinho, internado, há dias, no hospital público de Atílio Vivácqua, sem receber nenhum diagnóstico.

Desesperado, mas esperançoso, deixei-me ser guiado pela intuição, que me induzia a procurar, o quanto antes, algum gastroenterologista. Minha voz interior - eco de vozes anteriores, para as quais sempre hei de bater cabeça e pedir agô - tinha razão. Por intermédio de uma querida que hoje não está mais conosco, tia de um amigo meu, consegui levar meu avô, exatamente em 11 de janeiro, ao doutor Gedião Seraphim, em Cachoeiro de Itapemirim.

De imediato, seu olhar clínico (e espiritual) não titubeou: tinha uma pedra no meio do caminho intestinal de Dezinho, confirmada via tomografia computadorizada, poucas horas depois. Algo meio parecido com uma marimba de pipa, a pedra, expelida da vesícula, havia obstruído a divisa entre os intestinos delgado e grosso.

Doutor Gedião, mais que urgentemente, encaminhou-o para cirurgia, naquele mesmo dia, na Santa Casa. O procedimento, conduzido pelo médico Gediel Xavier, foi bem-sucedido, e meu avô, agora beirando os noventa, continua com a língua afiadíssima, graças à malandragem. Ah, e me botei na jangada para o Ceará três meses depois.

Na consulta pós-operatória, Gedião falou com Dezinho que queria ter um neto igual a mim. Ao escrever este parágrafo, é impossível conter o mar que se agita em meus olhos. Penso que vovôs são criaturas concebidas por Deus para salvar netinhos e netinhas - e outros vovôs. De resto, doutor, fique tranquilo: também sou teu neto. Esteja bem, onde estiver. À bença.

 

TIA CONSOLA

Nunca me esqueço de quando passei parte das férias de abril de 2011 em Fortaleza, com tio Sílvio e tia Consolação. Sabendo que gosto de samba e de cerveja, tia Consola, como ela é mais conhecida, abasteceu-me de batuques e tulipas durante toda minha estadia por lá. Tudo, é claro, com amor e carinho devotados não só de tia para sobrinho, mas, em certa - e irrestrita - medida, de mãe para filho.

Bonitona que só (presente divino acentuado por sua doce vaidade, expressa sobretudo em seu sorriso, das coisas mais lindas, gratuitas e irradiantes que vi na vida), tia Consola - com o perdão do clichê que se segue - jamais transparecia tristeza, mesmo nas últimas tempestades, as quais atravessou, aguerrida, sem perder sua fé.

Para definir o que tia Consola, que partiu há dois trezes de fevereiros, sempre será para mim, recorro, pedindo socorro, a Blanc: "Imortal vitória da ilusão (...) A alma de isopor e purpurina".


Felipe Bezerra Jornalista

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