Dia da Água: cobrança pode ajudar na preservação - Jornal Fato
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Dia da Água: cobrança pode ajudar na preservação

Especialistas afirmam que cobrança pelo uso dos recursos hídricos deve estimular consumo racional da água e contribuir para a recuperação de rios


Foto: Getty Images

O Dia Mundial da Água, celebrado em 22 de março, foi criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1992 como forma de ampliar a discussão sobre a preservação dos recursos hídricos. Nos últimos anos, a cobrança pelo uso desse bem essencial para a vida passou a ser uma das questões centrais sobre o tema.

Em muitos lugares, como no Espírito Santo, os usuários acabam pagando apenas pela captação e tratamento, mas não efetivamente pela água retirada das bacias. Especialistas avaliam que a cobrança desse recurso é fundamental para trazer eficiência na captação e tratamento, além de conscientização no uso doméstico, agrícola e industrial.

Mas o que é o custo da água?

A cobrança pelo uso da água é prevista na Lei Federal 9.433/97, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos. A medida, prevista na chamada Lei das Águas, objetiva dar ao usuário um parâmetro do real valor da água, incentivar o uso racional e obter recursos financeiros para recuperação de bacias hidrográficas no país.

Conforme a Agência Nacional das Águas e Saneamento Básico (ANA), a cobrança deve incidir sobre o uso dos recursos hídricos e pelos serviços das concessionárias. Ou seja, a concessionária paga pela captação da água e cobra do consumidor final o serviço de captação, tratamento e distribuição.

A precificação da água consumida é definida pela agência e determinada em cada estado pelos comitês de bacia. A cobrança pelo uso de recursos hídricos é destinada a usuários captadores como empresas de saneamento (concessionárias), indústrias e mineradoras pela utilização da água captada de rios e outros mananciais das bacias hidrográficas. As concessionárias determinam um valor pelo mínimo de água que uma residência consome a cada 30 dias, conhecida como tarifa mínima.

Gestão da água no Espírito Santo

No estado, a cobrança pelo uso da água está prevista na Política Estadual de Recursos Hídricos, definida na Lei 5.818/98 (atualizada pela Lei 10.179/14), mas ainda não foi implementada porque depende de um processo que envolve desde a aprovação dos Planos dos Comitês de Bacias Hidrográficas até a definição do valor da tarifa.

De acordo com a Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh), responsável pela execução da política estadual, a arrecadação deve ser direcionada para a própria bacia geradora, sendo que 92,5% devem ser aplicados nos programas indicados no plano de bacia e 7,5% devem ser utilizados para custear as despesas administrativas da agência de bacia.

A cobrança aplica-se à captação de água superficial, captação de água em aquífero subterrâneo, lançamento de efluentes em corpo de água, barramentos em cursos de água com ou sem captação, uso de água em empreendimentos de aquicultura, aproveitamentos hidrelétricos e outras interferências que alterem o regime, a qualidade ou quantidade das águas.

Conforme a Agerh, o uso da água, superficial ou subterrânea, considerado insignificante pelo Comitê de Bacias e o pequeno produtor rural cuja mão de obra familiar é a base de sua produção estão isentos da cobrança. No caso do produtor rural, a isenção está prevista na Lei 11.009/2019, de iniciativa do deputado Adilson Espindula (PTB), e determina que, para ter direito ao benefício, a propriedade não deve ser maior do que quatro módulos fiscais municipais. No Espírito Santo, segundo o Instituto de Colonização e Reforma Agrária, um módulo fiscal varia entre sete e 60 hectares, dependendo do município.

Cobrança e conscientização

A cobrança pelo uso da água é defendida pelo engenheiro sanitarista e professor especialista em Tecnologias de Água e Esgoto e Saneamento da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Ricardo Franci Gonçalves. "Em algumas regiões, atualmente, o consumo per capita pode chegar a 300 litros diários, enquanto em localidades mais pobres cada habitante consome 80 litros por dia devido à falta de condições estruturais. É preciso dar à água o valor real que ela tem. Só assim as pessoas passarão a economizar", alerta.

Para Ricardo Franci a perda de água no Brasil é inaceitável. Segundo ele, o modelo de gestão ineficiente é o maior culpado pelos problemas de abastecimento público. "Temos estatais que perdem a maior parte da água que produzem. O poder que concede a exploração dos serviços é o municipal e a maioria dos municípios não está preparada para exercer essa concessão de maneira responsável. Faltam educação sanitária e ambiental, mão de obra eficiente e financiamento do setor. O resultado é falta de água, esgoto em estado bruto lançado em corpos d'água e a população em contato com isso", aponta.

Para o vice-secretário-geral do Fórum das Bacias Hidrográficas do Espírito Santo e secretário-executivo do Comitê da Bacia do Rio Jucu, Elio de Castro, a cobrança é fundamental não apenas para despertar o consumo consciente, mas para investir em ações de recuperação dos rios. "Não tem água pra todo mundo. Está faltando água, sim. É necessário cobrar para otimizar o uso e levantar recursos para investir na recuperação das bacias", afirma. Ainda explica que os recursos devem ser investidos conforme as necessidades de cada bacia apontadas nos planos. De modo geral, as ações passam por despoluição de rios, recuperação de nascentes e da cobertura vegetal.

Elio explica que o Espírito Santo é o único estado da Região Sudeste que ainda não cobra pelo uso da água. Ele conta que todos os 14 comitês de bacia do Estado já aprovaram seus planos, sendo que os comitês do Jucu e do Guandu já até definiram o valor da tarifa. O processo está sob análise do Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CERH).

Para o represenante dos comitês, a resistência à cobrança pelo uso da água está relacionada à desinformação. "O Espírito Santo tem muitos pequenos produtores e eles acham que são donos da água. Acham que se houver a cobrança vão ficar sem água", conclui.

Conservação

O Estado conta com iniciativas voltadas para gestão da água, como o Fundo Estadual de Recursos Hídricos e Florestais do Espírito Santo (Fundágua), criado pela Lei 8.960/2008 e administrado pela Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama), com o objetivo de prover os programas voltados para a questão hídrica.

Para gerir a oferta de água de maneira sustentável, a Agerh lançou em 2018 o Plano de Recursos Hídricos do Espírito Santo (PERH/ES), que versa sobre preservação, conservação e recuperação de mananciais e lençóis freáticos. O órgão também cria e administra os programas de monitoramento, diagnóstico, preservação e recuperação das bacias existentes no Estado.

Por meio do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), o homem do campo conta com programas voltados para a capacitação no manejo das águas a fim de favorecer a preservação e economia e melhorar a qualidade dos produtos.

Leis Estaduais

A Assembleia Legislativa debate amplamente o tema. A Casa aprovou diversas matérias voltadas para a preservação dos recursos hídricos no Estado.

Uma delas é a Lei 11.230/2020, de autoria do Poder Executivo, que versa sobre valores de taxas a serem pagas ao Estado em razão da autorização, concessão e fiscalização feitas por órgãos ambientais sobre a exploração hídrica em solo capixaba. A proposição altera a Lei Estadual 7.001/2001.

A matéria trata, ainda, de isenções do pagamento de taxas para produtores rurais e agroindústrias familiares, além das cadeias produtivas que envolvem microempresas e empreendimentos de pequeno porte e também os projetos de reforma agrária.

Outra norma aprovada pelo Legislativo, também de autoria do governo do Estado, a Lei 11.235/2021, estabelece medidas de fiscalização, infrações e penalidades relativas à proteção dos recursos hídricos de domínio do Estado. A medida determina que a fiscalização seja realizada pela Agerh e fixa penalidades como intimação, apreensão, embargo, interdição e demolição, além de multas que variam de R$ 800 a R$ 350 mil. O infrator também deverá indenizar ou recuperar os danos. Segundo a norma, os valores recolhidos pela lei devem ser destinados à própria Agerh para custeio, reaparelhamento e expansão de suas atividades. 

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